Sunday, March 01, 2009

Como vai você?

- Eu estou bem!

Nunca entendi bem esta afirmação e jamais saberei o seu correto significado, enquanto estiver neste mundo.
É interessante como a palavras podem ser usadas e a mensagem que transportam ficar incompreensível.
Ali, naquele momento, a primeira impressão seria a de que tudo estava bem, apesar da consternação geral.
Além da frase, as lembranças, que se dispersam como as nuvens na alvorada, reconstroem a imagem do cenário todo branco, das paredes, lençois, uniformes, bem como do silêncio ensurdecedor.
Já não era a primeira vez, mas sempre esperamos, desejamos, lutamos para que momentos tristes, de apreensão, não se repitam. Por que o sofrimento nos rouba o ânimo tão violenta e rapidamente? Por que de assalto nos sobrevêm a dor e a angustia?
A despeito da fragilidade da vida, a grande expectativa é a de que ela nunca acabe, nunca se esgote pelo ralo do universo.
Vestido apenas com o avental branco, barba por fazer, de chinelos e sem nada mais, inclusive daquele anel dourado que por mais de 40 anos significou uma feliz vida conjugal, estava pronto para enfrentar novamente o desafio de encarar a morte de frente, olhar nos olhos dela e partir para a luta.
Pena que o ânimo, a coragem e todo o apoio possíveis, não foram suficientes. Acredito que por muitas vezes, incontáveis 'rounds', acabamos por vencer e a deixamos caída, derrotada, humilhada, mas não sem vida, pois ela se levanta, se reconstitui e, um dia mais tarde, nos encara de novo e nos vence.

- Eu estou bem!

Talvez seu desejo fosse nos poupar; fosse a vontade de que partilhássemos apenas dos bons momentos; fosse um grito profundo para expressar seu amor e cuidado para com aqueles que amava.
Por mais que quiséssemos evitar, ou não demonstrar, não estávamos bem. Como poderíamos se reprisávamos a mesma cena de quinquênios atrás, com a aflição e comoção penetrantes?
Seu olhar brilhante ainda mantinha o vigor e a atração genuínas, transmitindo a calma e o carinho de um pai que soube se fazer modelo para todos com os quais conviveu.
Mais difícil foi ouvir a frase posterior que indicava a derrota mortal:

- Sinto, mas fizemos tudo o que foi possível!

Realmente, parece que a vida se constroi dos possíveis. A cada dia que passa os homens conseguem empurrar as fronteiras do impossível um pouquinho mais para trás. Contudo, a vida continua delimitada pelas possibilidades da fragilidade, pelos muros da fraqueza, pelas cercas do envelhecimento.
Aquele pequeno coração vacilante não conseguiu resistir às demandas da intervenção, cessou de bombear o suco da vida por suas artérias e deu-se por vencido.
Revi-o, ainda, dentro de sua última vestimenta, ali deitado sobre uma fria mesa de mármore branco, gélido, inerte, sem o brilho no olhar, sequer com a energia para balbuciar para mim aquelas mesmas palavras, mas não precisava mais, porque estou certo de que, se pudesse, as pronunciaria com a mesma convicção:

- Eu estou bem!

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